SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Há cerca de dois anos, no início da pandemia, o mercado imobiliário vivia um momento único: com as pessoas em isolamento, o estoque da poupança —uma das principais fontes de recursos do financiamento— batia recordes, e os juros estavam em nível baixíssimo, o que permitia que mais famílias ficassem elegíveis para tomar crédito.

Agora, o jogo parece ter virado, com a poupança das famílias registrando baixas e os juros subindo.

No primeiro trimestre, a retirada líquida da poupança foi de R$ 30,7 bilhões, após recordes mensais de captação ao longo de 2020, de acordo com dados da Abecip (Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança). Segundo a entidade, as cadernetas do SBPE (Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo) registraram nova retirada em abril, e maio foi o único mês com resultado positivo.

No começo do ano, 44% do funding para financiamentos imobiliários veio de recursos da poupança pelo SBPE, 29%, do FGTS, e o restante, de títulos de crédito, como LCI (Letra de Crédito Imobiliário) e CRI (Certificado de Recebíveis Imobiliários).

Do lado dos financiamentos com recursos da poupança, nos primeiros cinco meses de 2022, o volume somou R$ 69,7 bilhões, queda de 10% ante o mesmo período do ano passado. Nos cinco primeiros meses do ano foram financiados 293,06 mil imóveis com recursos da poupança do SBPE, 11,7% abaixo a igual período de 2021.

O diretor-executivo da Abecip, Filipe Pontual, afirma que a expansão do crédito está dentro das expectativas para 2022: 5% menor do que no ano passado. No acumulado de 2021, os financiamentos imobiliários somaram mais de R$ 205 bilhões, um recorde.

O segmento também enfrenta hoje o aumento de custos de produção, a inflação elevada e a escalada dos juros, que preocupa não só pelo impacto na renda das famílias e do crédito mas pela redução da demanda econômica que ela irá provocar no segundo semestre.

Quando a Selic chegou a 2% ao ano, os bancos cobravam uma taxa de juros anual de 7% nos financiamentos habitacionais. Com a queda dos juros entre 2016 e 2020, cerca de 5 milhões de novas famílias se tornaram elegíveis para financiar um imóvel, segundo cálculo do Banco Inter.

Só que a taxa de financiamento agora, com a Selic em 13,25% ao ano, está entre 8% e 10%, causando o efeito contrário no acesso ao crédito.

Alguns analistas também têm dado como certo um período de queda do PIB de dois trimestres, entre o último trimestre deste ano e o primeiro do ano que vem. Nesse contexto, se aliam a alta de juros nos Estados Unidos, a inflação global e a menor perspectiva de crescimento da economia mundial.

O INCC-M (Índice Nacional de Custo da Construção) subiu 2,81% em junho, percentual superior ao apurado no mês anterior, quando o índice registrou taxa de 1,49%. Com esse resultado, o índice acumula alta de 7,20% no ano e 11,75% em 12 meses. Também em 12 meses, os materiais e equipamentos da construção registraram aumento de 14,31%; a mão de obra, de 9,92%.

O cenário é bastante desafiador, favorece o perfil de consumidor com renda mais elevada, enquanto a renda mais baixa está pressionada pela inflação e por juros mais altos, diz Ana Maria Castelo, responsável pela divulgação do INCC-M e da Sondagem da Construção da FGV (Fundação Getulio Vargas).

"A taxa de juros subiu, os custos de produção e os custos para construir cresceram em ritmo mais elevado do que se imaginava. O orçamento doméstico e a renda das famílias também sofrem. A régua subiu, e muitas pessoas que poderiam pensar em adquirir um imóvel de um determinado valor trocaram para opções de valor mais baixo ou estão adiando a decisão", diz.

A alta do INCC aumenta o saldo devedor do imóvel comprado na planta. Segundo Marcelo Tapai, especialista em direito imobiliário, o forte impacto do índice no reajuste das parcelas já faz compradores recorrem ao distrato. "A compra e a simulação de pagamento foram feitas num cenário de três anos atrás. Agora, na hora de financiar, a dívida está maior e o financiamento está mais caro", diz.

De acordo com a Abrainc (Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias), o número de quebra de contrato de compra de imóvel aumentou 33% no primeiro trimestre de 2022 comparado ao mesmo período do ano passado. Nos primeiros três meses do ano, foram 1.061 distratados no segmento de médio e alto padrão.

No distrato, o consumidor chega a abrir mão de 50% do valor pago pelo imóvel mais a taxa de corretagem.

Apesar da pressão inflacionária, a venda de imóveis no país seguiu firme no começo do ano, segundo relatório divulgado pela Abrainc em 14 de junho. O levantamento registra quase 37 mil unidades vendidas, uma alta de 6,2% no primeiro trimestre de 2022 em comparação ao mesmo período de 2021.

O número de lançamento acompanha o ritmo. Cerca de 17 mil imóveis do programa Casa Verde e Amarela e mais de 10 mil imóveis de médio e alto padrão foram lançados no período.

Leonardo Mesquita, vice-presidente comercial na Cury Construtora, diz que o foco é selecionar bem os projetos a serem lançados se preparando para possíveis instabilidades do último trimestre deste ano de eleição presidencial e Copa do Mundo.

O ICST (Índice de Confiança da Construção) subiu 1,2 ponto em junho, para 97,5 pontos. O primeiro semestre chegou ao fim com o aumento da confiança da construção, alavancado pelos investimentos do mercado imobiliário e da infraestrutura. Já na comparação com o fim do ano passado, a melhora da confiança é menos significativa, o que sugere moderação no ritmo de crescimento.

Os dados de sondagem da construção mostram que houve uma melhora da confiança, mas o único segmento que teve queda foi justamente o de edificações, na comparação com o mês anterior, complementa Castelo. "Não estamos falando de crise, mas já houve uma reversão, se olharmos o mercado de baixa renda. No restante, a gente deve ver um reposicionamento e uma desaceleração."

Rafael Steinbruch, head de real estate da startup Yuca, expõe a tempestade perfeita para o comprador: "Desemprego, juros altos, inflação e queda no salário e no ganho real".

"O cenário, sem dúvida, interfere no humor, o que se reflete nos lançamentos, com as empresas ficando temerosas. Quando converso por aí, recomendo que levem o barco devagar", diz José Carlos Martins, presidente da CBIC (Câmara Brasileira de Indústria de Construção).

Ele pondera, no entanto, que há alguns sinais positivos para este semestre. Na baixa renda, modificações nas faixas do programa Casa Verde e Amarela (que substituiu o Minha Casa, Minha Vida) podem atrair compradores.

"Na caderneta de poupança, o efeito dos juros já ficou lá atrás, o estrago já aconteceu. O que nos preocupa mesmo é o efeito dos juros na economia, com queda de renda das famílias e desaquecimento nos próximos meses. O fator limitante hoje se chama renda ante preço do imóvel, vai piorar ou ficar igual? Não sabemos."

Fonte: Folha de SP